domingo, 20 de setembro de 2015

Audição seletiva

Falei, falei, falei... De repente parei e percebi que ele não me estava a ouvir.

- Estás a ouvir a mãe?
- Claro!
- Fiquei com a impressão que não estavas a ligar nenhuma ao que eu dizia.
- Achas? Claro que não. Eu oiço sempre o que me dizes... quando interessa.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Um 'vermelho' em casa

Com as eleições à porta, muito se tem falado de politica. Os candidatos esgrimem argumentos, trocam acusações e têm um tempo de antena que conquistou a atenção dele.

- Em quem é que vais votar? - perguntou.
- Não sei. Ainda vou pensar no assunto - disse-lhe.
- Eu sei em quem é que eu votaria se pudesse.
- Em quem? - confesso que estava curiosa.
- No Jerónimo de Sousa [líder do PCP].
- Porquê? - perguntei eu, verdadeiramente surpreendida.
- Porque ele é um senhor de idade. E os senhores de idade são sempre sábios.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Um comprimido para viver 300 anos

A ideia de eternidade continua a povoar-lhe a mente. Não se cansa de dizer que gostava de viver para sempre e olha para mim na esperança de que lhe diga que sim.

- Gostava mesmo de viver para sempre.
- Mas sabes que ninguém vive para sempre.
- Mas eu gostava tanto!
- Há gente que vive durante muitos anos. Olha o Manoel de Oliveira. Viveu até muito tarde.
- Sim, até aos 106 anos. Mas não viveu para sempre.
Calou-se. Pensou durante uns instantes e voltou à carga.
- Já sei. Vou criar um comprimido que nos permite viver 300 anos. E quando as pessoas chegarem aos 299 anos, voltam a tomar o comprimido e vivem mais 300.
- Mas sabes que para isso tens que estudar muito. Para ser cientista é preciso estar com muita atenção na escola - aproveitei logo a boleia...
- E é preciso dinheiro. Vou começar já a juntar.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O drama em figura de gente

A gritaria foi grande. Depois de um dia de correria e brincadeira, a recusa em tomar banho e subsequente escarcéu valeu-lhe um castigo: ficou sem direito aos aparelhos eletrónicos de que tanto gosta e depois do jantar, o destino foi o quarto (que não é lá grande castigo, é certo, já que se encontra cheio de brinquedos e distrações).
- A minha vida é muito má! - gritava ele, informado com a situação. - Nunca mais vou sair deste quarto.
- Eu não disse até quando é que ficavas de castigo. Sair só depende de ti - disse eu, numa tentativa de acalmar o drama.
- Não, eu não mereço sair. Vou ficar aqui para sempre.
- Para sempre? É isso que queres? - questionei eu.
- Sim. Para sempre! Ah, mas não te esqueças de quando eu tiver 70 anos me vires tirar desta cama. Nessa altura já não devo conseguir.

Não conheço outro com tanto jeito para dramatizar. Em tempos quis ser ator. Já não quer. Agora percebo que vai passar ao lado de uma grande carreira.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Versão matemática do sermão de S. António aos peixes

Como é que eu sei que ele precisa de conviver com outras crianças?
Quando ele tenta ensinar a tabuada aos peixinhos do aquário.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Grécia ou Aicérg

A política internacional sempre foi tema de grande interesse lá por casa. Ontem, a situação económica da Grécia deu origem a uma conversa com o comentador político de palmo e meio.

- O que achas da situação na Grécia? - perguntei eu, convencida de que me iria ignorar.
- Acho que o país se vai afundar completamente. E depois vai aparecer outro, a Grécia 2. Também se podia chamar Aicérg.
- Ai e quê?
- Aicérg. É Grécia ao contrário.

Terminada a conversa, o tema mudou readicalmente para dentaturas postiças.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Uma dentada sem querer

Há coisas que deixam uma mãe orgulhosa e uma delas era o facto de, em quase três anos de vida escolar, ele nunca ter levado para casa um recado na caderneta por mau comportamento. A "estreia", como definiu o próprio aconteceu agora, à beira do fim do ano letivo. Estávamos tão perto de mais um ano perfeito...
A missiva informava que o G. e o P. tinham andado "à luta". Referia que o G. tinha sido "empurrado primeiro", informação, mais uma vez segundo ele, muito relevante, que tinha havido "troca de chapadas" e que o G. tinha ferrado uma dentada no P. E tudo porque, segundo a professora, para quem o tema da briga é digno de relevo, "o P. tinha dito que era melhor guarda-redes que o G." (de salientar que são os dois uma nódoa).

- Tu mordeste no teu colega? - exclamei eu, horrorizada.
- Foi sem querer.
- Como é que se morde em alguém sem querer? - a pergunta era apenas retórica.
- A minha boca estava aberta e o braço dele foi lá parar.