sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Namoradas? Que nojo!

O tema namoro é recorrente lá em casa. A maior parte das vezes é o melhor caminho para o arreliar. É que o amor não tem andado no ar, agora que estamos na fase "as meninas são nojentas". Mas ultimamente, tem sido ele a abordar o assunto, ainda que como apenas espectador de uma cena amorosa que se desenrola em vários actos.
- O P. está a tentar arranjar uma namorada nova.
- Ai sim? - o P. é um dos amigos, de igual idade, leia-se, 7 anos.
- Mas não está a ter sorte nenhuma. Ontem foi ter com a D. e perguntou-lhe se ela queria ser namorada dele. Ela disse que não, mas ele não desistiu. Tentou várias vezes até que ela o ameaçou de pancada. Eu fiquei a ver aquela cena triste.
- Não gostavas de ter uma namorada? - perguntei eu.
O silêncio, acompanhado por um olhar de raiva, foi a resposta.
- Hoje, tentou o mesmo com a F. Mas ela mandou-lhe o gorro para o chão e chamou-lhe nomes. O P. está com azar.
- E tu?
- Eu fiquei a ver. Coitado.
- Mas tu não querias uma namorada?
- Eu não! Não gosto dessas coisas. Depois tinha que dar beijos, que nojo!
- Beijos?
- Sim, o P. beijava a M. na boca a toda a hora. - A M. era a namorada do P.
- Mas porque é que o P. quer outra namorada, se já tem uma?
- A M. já não quer dar mais beijos. E depois há a coisa das mãos?
- Das mãos? - perguntei eu, já com algum receio da resposta.
- Sim, ele quer mexer-lhe, pôr-lhe as mãos, mas ela não quer.
A conversa ficou por aqui. Não fiquei completamente esclarecida em relação à questão das mãos, mas acho que prefiro ficar na ignorância. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Uma ida diferente ao supermercado

- Hoje vamos às compras? - perguntou-me ele, com a carteira na mão.
- Vamos ao supermercado. - respondi eu, já a adivinhar o que ali vinha.
- Então vou levar a minha carteira para comprar umas coisas.
A caminho do supermercado, enquanto inspeccionava as moedas que lhe enchiam a carteira (moedas de dez, vinte e 50 cêntimos que, todas juntas, totalizavam qualquer coisa como quatro euros), alertou:
- É melhor cada um de nós levar o seu carrinho de compras.
- Porquê? - perguntei eu.
- Porque eu não quero ter que pagar as tuas coisas.
Tive vontade de lhe dizer que não corríamos esse risco, mas calei-me.
No supermercado, desapareceu com o pai. Acercou-se de mim mais tarde, já com as coisas na mão: uma carteira de cromos, uns dentes postiços (o Carnaval está a chegar) e uma caixa de lápis de cor.
- É só isso? - perguntei-lhe.
- Sim. Vamos pagar.
Na caixa, foi ele que passou os seus artigos, que escolheu as moedas (2,57€) e que pagou. Depois, pegou no saco e no talão e passou uns bons minutos a olhar para a conta.
- Está tudo certo. - Disse, sem esconder o contentamento. - E ainda me sobrou dinheiro. Para a semana voltamos.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Salazar no dia de Natal

No dia de Natal, a caminho de casa e imbuída do espírito da época, alicerçado nas muitas músicas natalícias que saíam do rádio do carro, decidi começar a cantar. É certo que não sou conhecida pelos meus dotes vocais, mas do banco de trás vieram comentários pouco simpáticos à minha performance. Eu continuei e ele também.
- Qual é o teu problema? - perguntei-lhe eu.
- Pára, estás a dar-me dor de cabeça.
- Eu sou livre para fazer o que quiser e agora quero cantar. Por isso... - disse-lhe eu, pensando que os seus sete anos não lhe conseguiram alimentar uma resposta.
- Salazar, volta Salazar.
- Como? - perguntei eu.
- Sim, no tempo do Salazar não tinhas liberdade. Por isso não podias cantar.
Calei-me.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

E com esta é que me lixaste

- Quando é que vais escrever a carta ao Pai Natal? - perguntei-lhe eu.
- O Pai Natal não existe. Até a professora já disse isso. - respondeu ele, com a certeza que os seus 7 anos lhe conferem.
- Olha, eu acho que a tua professora está errada. O Pai Natal é mágico e isso significa que, se acreditares, ele existe. O que é que tu achas?
- Eu acho que ele não existe... mas não tenho a certeza absoluta.
- Então porque é que não escreves uma carta. Aposto que ele te vai responder.
- Está bem.
E lá foi ele, decidido a contactar com o Pai Natal, para minha grande alegria. Regressa, meia hora depois, com uma folha cheia de prosa.
- O que é isto? - pergunto eu, incrédula com o tamanho da lista, composta por várias dezenas de artigos que ele retirou dos muitos catálogos de supermercados que nos têm enchido a caixa do correio.
- É a minha lista. E agora é que eu vou saber mesmo se existe o Pai Natal!
- Como assim? - perguntei eu a medo.
- Se ele não me trouxer tudo o que eu pedi é porque não existe.
Aqui, percebi que ele já me tinha lixado. Ainda tentei remediar a situação, convencê-lo que o Pai Natal não é rico, que lhe doem as costas e não pode trazer muito peso. Mas ele foi irredutível. E foi assim o fim do Pai Natal lá em casa.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não me digas que acreditas no Pai Natal

A falta de tempo impede um registo à altura das pérolas que lhe saem da boca. Algumas ficam registadas em guardanapos, antigas faturas, folhetos de publicidade ou qualquer outro pedaço de papel que esteja à mão. É pena. Porque as recordações são importantes. Porque há momentos que, por mais que queiramos, não voltam a repetir-se.
Recuperei estes dois, esquecidos numa mala.

"Tenho uma vida abebezada. É uma vida em que não fazemos coisas de jeito. Queria ter aventuras, encontrar um ladrão, chamar a polícia e e vê-los prendê-lo. Depois ia a correr para casa."
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No meio de uma sessão de leitura do 'Diário de um Banana' descobriu que o marcador que usava para não se perder nas páginas era um cartão com informação sobre todos os dias mundiais e nacionais das doenças.
- O que é a osteoporose? - perguntou sem perder tempo.
- É uma doença - respondi eu, sem lhe dar grande conversa.
- Porque é que não festejamos este dia?
- Não se festejam os dias das doenças. Assinalam-se, para que não nos esqueçamos que é importante lutar contra elas.
- Podemos celebrar esses dias cá em casa? Acho que devíamos fazer uma festa para cada doença. Fazíamos um jantar e convidávamos as pessoas.
- Não me parece - respondi eu, sem saber bem porque é que continuava a alimentar aquele delírio.
- O que é o cancro? - voltou ele à carga.
- É uma doença em que as células do nosso organismo se descontrolam.
- E mata?
- Sim, pode matar.
- A Diana diz que se atarmos um elástico à volta do dedo podemos ter cancro. Depois, tomamos um medicamentos e cai-nos o cabelo.
- Isso não acontece.
- Mesmo se apertarmos com muita força? - disse, ele muito desconfiado.
- Sim, mesmo se apertarmos com muita força.
- E quero ter 17 filhos. - Não sei bem como, nem porquê, passámos de uma conversa para outra sem intervalo.
- 17? Vais ter que arranjar uma casa muito grande!
- Vou viver num apartamento, no Porto.
- Mas vais ter que ter muitos quartos.
- Não, eles dormem em sacos cama, no chão. Espera lá, isto de ter filhos é só dizer que se quer ter e eles aparecem? Ou tem que se ir ao médico pedir um?
Aqui, decidi que era hora de ir dormir.
- Sim, sim, isso. Até amanhã.
- Estás-me a ignorar? - perguntou ele.
- Claro que não, mas já é tarde.
A conversa ficou por ali. No dia seguinte, voltou à carga, desta feita junto do pai, a quem fez a pergunta da praxe: como é que se tem um filho.
O pai respondeu com a também típica resposta da sementinha, mas com um twist final: o pai coloca uma semente na mãe e depois vem a cegonha e traz o bebé.
- Cegonha? Não me digas que também acreditas no Pai Natal!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

"É obrigatório gostar de fado!"




- “Porque é que não vamos ao Festival Caixa Alfama?”
- “Fazer o quê”, respondo eu à pergunta do rapaz, acabado de fazer os 7 anos.
- “Ouvir a música”, responde-me ele com um tom paternalista, sem perceber porque é que tinha que explicar o que lhe parecia óbvio.
- “Mas sabes qual é o tipo de música que se ouve no Caixa Alfama?”, digo eu, que não sou grande fã de fado.
- “Sei... é fado.”
- “E tu gostas de fado?” – voltei eu, decidida a levar esta conversa até ao fim.
- “É obrigatório gostar de fado!”, diz ele, com um olhar reprovador na minha direcção.
- “Não achas que o fado é triste?”
- “Não.” – e virou-me costas, como que cansado de falar com alguém que, claramente, não estava ao nível da conversa: eu!

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Gostava de ser mulher

"Gostava de ser mulher", diz ele pensativo.
"Mulher?", pergunto eu, sem conseguir esconder a surpresa. "Mas porquê?"
"Porque as mulheres vivem mais tempo do que os homens. Ou então também podia ser vampiro."
"Vampiro?", volto eu a questionar.
"É que esses vivem para sempre e eu gosto muito de viver."