sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Walk down memory lane


Gosto muito de fazer arrumações, aquelas que nos fazem remexer as gavetas fechadas há séculos e descobrir tesouros que nos levam em viagens pelas ruas da memória. Foi num destes momentos de súbita transformação em fada do lar que encontrei o meu primeiro diário. Tinha oito anos, andava na 3.ª classe e as páginas, que o passar dos anos tingiu de amarelo, revelam outras épocas: os tempos da Janela Mágica, do Regresso e Vingança; tempos em que tudo parava para ver o Natal dos Hospitais; em que os Jogos sem Fronteiras nos faziam roer as unhas e torcer por Portugal com um patriotismo que já não se usa. Confirmei que já então gostava de escrever, ainda que o meu forte na altura não fosse a eloquência; que nunca gostei do Carnaval, nem mesmo daquele em que me mascarei de Minnie, com a saia às bolinhas e as coulottes; descobri que, há 20 anos, não gostava de peixe, iguaria que teve direito a uma entrada de uma página no diário e percebi que há muitos momentos que a memória apagou, como aquele Natal em que recebi um livro com a história do D. Quixote. Anos depois, as brincadeiras deram lugar aos amigos por correspondência, que me faziam correr todos os dias para a caixa do correio, tanta era a ansiedade de receber as cartas vindas da Finlândia, Canadá ou Índia; aos centros de férias com os seus jogos de pista; às mesadas que não chegavam para pagar as pilhas do Walkman ou o Clearasil; à tristeza pela morte da Milau, a cadela dos meus avós. Mais tarde ainda, as brincadeiras com a Tucha deram lugar a preocupações do género: "será que ele gosta de mim?", às idas ao cinema mais para ver as vistas do que propriamente os filmes, às festas da escola que não perdia, apesar da proibição parental, aos amigos de quem nunca me consegui despedir... Como é bom fazer arrumações!

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